ARTIGO

Caso Clínico: Rotura muscular do gémeo interno

Jul 31, 2023

Tratamento fisioterapêutico ao longo de 22 dias para recuperação de uma rotura muscular do gémeo interno.


Caso Clínico

Utente D.P., do sexo masculino, 49 anos, que tem como profissão técnico informático. É ativo, pratica vários tipos de atividade física, como zumba, bicicleta, futebol e natação.
A jogar futebol, ao chutar a bola, sentiu “uma pedra a bater na parte de trás da perna direita” (sic), resultando numa dor intensa. Recorreu ao médico, tendo-lhe sido prescrito anti-inflamatórios, meia de compressão e recomendou elevação da perna bem como a realização de uma ecografia aos tecidos moles, que demonstrou uma rotura muscular do gémeo interno. Chegou à Ativefit Clinic Leiria passadas 2 semanas, ainda com a meia de compressão e a evitar o movimento com a perna direita.

A avaliação física demonstrava dor à palpação do gémeo interno, em todo o seu ventre muscular, notando-se uma grande tensão muscular nesta zona. Apenas apresentava dor ao alongamento muscular (dorsiflexão passiva) e a flexão plantar ativa (apenas no final da amplitude de movimento) e em toda a amplitude de flexão plantar resistida.
Logo na primeira sessão, percebemos que já não havia necessidade de utilização da meia de compressão, e que agora seria fundamental começar a dar movimento, em vez de o evitar.

Foram realizadas 12 sessões de Fisioterapia, em 6 semanas até estar completa a sua reabilitação. No processo de reabilitação foram utilizadas técnicas de terapia manual (como a massagem), eletroterapia (como o TENS e eletroestimulação) e exercício terapêutico.

O exercício terapêutico foi progredindo de acordo com a progressão do utente, passando por todas as fases: exercício ativo sem carga, aumento de carga através de carga corporal e carga externa, exercício de propriocepção e estabilidade, fortalecimento bilateral e unilateral, pliometria e explosividade.

A partir da 4ª sessão, já não apresentava dor nas atividades do dia-a-dia (AVD’s), apenas cansaço.

Nas últimas sessões, para além do exercício realizado em sessão, o utente voltou a integrar as atividades desportivas que realizava antes, com a devida preparação realizada com a Fisioterapeuta e de forma gradual.


Os gémeos (ou gastrocnêmios) são dois músculos superficiais localizados na parte posterior da perna, constituídos por dois músculos, um mais interno (gémeo interno) e outro mais externo (gémeo externo), que se unem formando o tendão de Aquiles que se insere no calcanhar. Um dos fatores que torna os gémeos vulneráveis à lesão é o facto destes músculos passarem por 3 articulações: o joelho, a tibiotársica e a articulação sub-talar.

Este músculo é enervado pelo nervo tibial, sendo responsável por realizar a flexão plantar do pé, e por empurrar (impulsão) o solo durante a caminhada.

A parte inferior da perna tem uma componente biomecânica essencial durante os movimentos, necessitando tanto de resistência muscular como da força explosiva.

Uma rotura muscular dos gémeos é o nome dado a um estiramento muscular exagerado, onde ocorre rotura de fibras musculares do gémeo, sendo mais frequente no gémeo interno. Pode ocorrer quando existe um impacto forte do pé sobre o solo, envolvendo uma força excêntrica sobre os gémeos, por exemplo, após um salto. Também a posição do joelho pode estar relacionada com uma rotura muscular no gémeo: durante a extensão máxima do joelho, com o tornozelo em dorsiflexão total, o gémeo fica totalmente alongado, aumentando a tensão dos elementos elásticos do músculo, podendo provocar a rotura das fibras musculares.

As roturas musculares nos gémeos são mais comuns na meia-idade, ou em jovens atletas que pratiquem desportos que envolvem força explosiva dos membros inferiores, onde existe uma mudança rápida entre a flexão plantar e a dorsiflexão, como por exemplo no futebol, no basquetebol, no ténis, no paddle, na corrida, no ski, no triatlo e no atletismo. São muito comuns em atletas quando não realizam um bom aquecimento, limitando a irrigação sanguínea quando começam o desporto.


Fatores de risco:

  • Fadiga muscular;
  • Falta de coordenação;
  • Diminuição do fornecimento vascular ao músculo;
  • Dificuldade em relaxar o músculo (causando cãibras frequentes);
  • História anterior de rotura muscular do gémeo;
  • Idade;
  • Radiculopatia L5 (lombar)

Sintomas:

Os sinais e sintomas de uma rotura muscular nos gémeos incluem dor do tipo picada, que pode ser acompanhada por uma sensação de “estalar”, sendo notória a presença de edema, tensão muscular e rigidez, com dor ao movimento ativo de flexão plantar e dorsiflexão e diminuição da força muscular. É comum existir dificuldade ao caminhar.

Continuar a prática da modalidade desportiva com uma pequena rotura poderá causar um aumento da dor e levar a uma rotura mais severa.


O diagnóstico é clínico, não sendo obrigatória a realização de exames complementares, no entanto, através de ecografia é possível observar a rotura das fibras musculares e a presença de edema ou hematoma, pelo que se torna importante para perceber a severidade da lesão e monitorizar a sua recuperação. Deve ser realizado um diagnóstico diferencial, excluindo lesão do tendão de Aquiles, lesão do músculo solear, lesão do músculo plantar, tendinopatia poplítea, trombose venosa profunda e síndrome compartimental.


Tratamento:

O plano de tratamento e o tempo de recuperação demora entre 3 semanas a 6 meses, este dependerá da severidade da lesão das fibras musculares, do mecanismo de lesão, do local onde existiu rotura das fibras musculares, dos sintomas e do início da fisioterapia. Uma rotura muscular pode ser classificada em 3 graus: grau I (leve, envolvendo uma descontinuidade nas fibras de menos de 10%), grau II (moderada, envolvendo uma descontinuidade de 10 a 50%) e grau III (severa, envolvendo uma descontinuidade de mais de 50%).

Um estiramento muscular, onde apenas algumas fibras ficam tensas, demora cerca de 1 a 3 semanas a recuperar. Uma rotura parcial demora cerca de 6 a 8 semanas a recuperar, enquanto uma rotura total dos gémeos ou do tendão de Aquiles pode demorar entre 3 a 6 meses.

Na fase inicial (48 a 72 horas) é recomendado repouso, com controlo dos sinais inflamatórios, recorrendo a gelo, compressão, elevação, e em caso de necessidade, medicação analgésica, prescrita por alguém competente para tal.

A partir do 4º dia, é importante, para além de continuar a aliviar a dor, começar a dar movimento e fortalecimento muscular, de forma a minimizar a perda de capacidade muscular.

Ao 9º dia a marcha já é normal e já não existe dor no final da amplitude de movimento ativo. Entre o 9º e o 21º dia é pressuposto não ter dor no final da amplitude de movimento passiva, realizar marcha com variações de velocidade e inclinação e realizar fortalecimento muscular sem dor.

Ao 22º dia, são iniciados exercícios mais intensos, tanto a nível de fortalecimento, como de potência muscular. No caso de atletas, começam a ser realizados exercícios específicos do desporto que realizam, realizando a readaptação ao desporto. A carga dos exercícios é aumentada de forma gradual, e sempre de acordo com a resposta do utente ao exercício.

É de salientar que estes timings são apenas teóricos, todas as pessoas recuperam de uma lesão em tempos diferentes, sendo influenciável por outros problemas de saúde que possam existir.


Referências Bibliográficas


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Autoria: Mónica Lopes, Fisioterapeuta no Ativefit Clinic Leiria e em Ourém